domingo, 5 de fevereiro de 2012

Fúria

Curado da fúria?

Nunca.

Doce ilusão.

Quem pensa que a raiva se foi,
Quem pensa que fome acabou,
Quem acha que o desejo de devorar
A tudo
E a todos
Está curado,
É um tolo.

Sangue nas mãos,
Nos olhos,
Na garganta.

O calor da destruição.
Primoroso,
Vigoroso,
Nunca cessa.
Nunca morre.

Nunca termina.

Nunca.

Almas corrompidas
Não têm salvação.

E mesmo que seus livros preguem
O contrário,
Nada é verdade.
Pois quando uma alma se torce,
Nada
Nesse mundo,
Veja bem, eu disse "nesse",
Pode compreender
Ou confortar.

Porque nada,
Ninguém,
Coisa alguma,
Desse seu mundo medíocre
Entende as camadas da mente.
Da alma.

Nada,
Ninguém,
Nem coisa alguma,
Entende
Que a mente,
A alma,
É feita de camadas.

Por isso, amigo,
Não me aconselhe,
Pois eu sei de tudo.

Sei que suas respostas
São prontas,
Meras receitas,
Fórmulas batidas,
De um remédio,
De um veneno,
Que nunca cura,
E nem mata.

Por isso, amigo,
Preste atenção.

Guarde o que pensa
Para si,
Pois, na hora da verdade,
Talvez,
Quem sabe,
Suas verdades
Te ajudem
A suportar
A verdadeira
Verdade.

Somos animais.

E, no fundo, você sabe.

Mas sua elegância
Não permite admitir.

Ah, a vaidade...

Tão bela e pura
Vaidade.

Consumindo sonhos,
Devorando crianças,
Destruindo realidades.

Ah, a vaidade...

Armadilha dos deuses.

Deleite dos demônios.

Tudo isso,
Tão perfeitamente arranjado,
Com cores e aromas,
Para esconder a verdade.

Nós, amigo,
Somos bestas.
Somos bruxas.
Somos sombras.

Mas você,
Tão educado,
Pensa ser luz.

E, veja você, que hilário...

É no seu conhecimento
Que se esconde,
E te devora,
Intimamente,
A sua ignorância.

E eu apenas rio.

E apenas.

E rio.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Melodia

Sempre fui mais da melodia,
E não tanto da letra.

Estranho, eu sei,
Mas nada posso fazer,
Afinal,
Palavras não me tocam
Como deveriam.

Um assovio,
Um riso gostoso,
E lembranças,
Quase mudas,
Que nada dizem,
E ainda assim,
Contam todas as histórias.


Sempre fui mais da melodia,
E não tanto da letra.

Deve ser por isso
Que não presto muita atenção
No que dizem,
No que querem que eu diga,
E no que eu realmente digo.

Deve ser por isso,
Também,
Que às vezes não digo,
Sem perceber o mal que há nisso.


Acabo esquecendo
Que há os que precisam
Da poesia,
Mesmo sem ritmo,
Sem rima,
Sem melodia,
Apenas letra.

Acabo esquecendo
De dizer.


Mas como eu dizia...
 
Sempre fui mais da melodia,
E não tanto da letra.

Por isso, não se assuste
Se eu não disser nada
E apenas te olhar.

Não se afaste,
Se eu te der todo o meu silêncio,
Sem palavra alguma.
Apenas o sentimento calado,
Quieto,
Baixinho.
Com algum barulho perdido,
Intrometido,
Um resmungo, um muxoxo,
Ou um sussurro indecifrável.

Pois é assim que te chamo
Para um daqueles abraços
Bem balançados.
Que sempre precedem um passeio
De mãos dadas
E passos trocados
Que, em meio aos risos,
Acabam compassados.

De vez em quando
Um olho no olho,
Silencioso,
Estrondoso,
Daqueles que te fazem sorrir
Sem entender o porquê.


Sempre fui mais da melodia,
E não tanto da letra.


Por isso, eu te digo...

Quando faltarem as palavras,
Não se preocupe.
Apenas me acompanhe.
A quietude não me assusta.



Há muito tempo,
Eu descobri
Que o silêncio é parte essencial
De qualquer música.