domingo, 24 de julho de 2011

...

- Eu gosto de você, sabe? Gosto do seu jeito, gosto dos seus pensamentos... Você não tem preconceitos... Para você, todos parecem iguais... Você não julga, não xinga, não menospreza... É verdade que nunca te vi elogiar, mas, no geral, isso faz sentido... Você parece tão... Eu não sei... Eu não diria bondoso... Imparcial, talvez? Essas questões humanas, tão humanas, parecem tão simples pra você... Não sei, ao certo, se você as entende ou não, mas acho interessante como você lida com isso...

- Bem... Na verdade, eu entendo, sim... Mas não me importo... Para mim, pouco importa a sua cor, a sua crença... Não me interesso pelos seus pensamentos, suas ideias... Entende? Tanto faz onde você nasceu, tanto faz quais são seus ideais e seus sonhos... A humanidade é igualmente podre, onde quer que nasça e exista... Basta um copo de álcool para que você mostre o que você é... Alguns, inclusive, nem precisam do copo para isso... Mas, basicamente, é isso... Não é que eu não entenda essas questões humanas... Eu apenas não me interesso por elas.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Amigos


Amigos há algum tempo.
Não o bastante para apenas e nem tão pouco para mais.
- É engraçado como a vida acerta com erros, às vezes.
            Quando a filosofia não explica, ela preenche, atiça ou dissimula.
- Como assim?
- Você, por exemplo... Não pode enxergar...
Ela baixou a cabeça, tentando esconder o rosto com algumas mechas do cabelo.
- E onde está a graça, nisso?
- Bom... Eu sou um cara legal, mas não sou tão bonito, assim...
Ela tentou ficar séria, mas suas palavras saíram misturadas ao som gostoso de um riso abafado.
- É mesmo?
            Ele era legal, mesmo. E, realmente, não era tão bonito, assim.
- É... E você é chatinha, mas é linda... E eu enxergo... Enfim, não é perfeito?
Ela não era chata. Mas era linda, com certeza.
- Você é um idiota... – Ela balançou a cabeça de um lado para o outro, fingindo aborrecimento.
- Idiota? Ok, então.
- Sim, idiota. A amizade considera beleza?
A amizade. Aquilo, de certa forma, doeu. E o silêncio veio e resistiu por alguns instantes. Para ele, durou bem mais do que isso. Na verdade, ele pensou que seria o fim, mas ela recomeçou. Ainda bem.
- Se fosse possível... Um dia... Você trocaria seus olhos pelos meus?
Ele riu.
- Não sei. Mas uma coisa eu posso te afirmar, com toda a certeza.
- O quê?
- A sua pergunta é mais idiota que eu.
- Ah... Idiota!
Ele riu novamente.
- É sério... Você trocaria?
- Claro que não!
- Nossa... Mas nem por alguns instantes?
- Ah, bom... Nesse caso, sim... - Ele fez uma breve pausa e logo acrescentou.
- Não... Pensando melhor, não. Aliás... Com certeza, não.
- Deus... Isso tudo é medo?
- Claro! - Ele exagerou na força da resposta, propositalmente.
- Medo de que? De que eu não devolva os seus olhos?
- É... também... Mas acho que mais é medo de que você se apaixone!
Ela riu alto.
- Por você? Duvido muito... Você mesmo disse que não é bonito.
- Não. Eu disse que não sou tão bonito, assim. – Ele deu ênfase ao trecho repetido.
- Que seja, que seja... Eu não me apaixonaria.
- Bom, eu me apaixonaria. – Voz esnobe.
- Por você mesmo? Doente! - Ela riu alto, outra vez.
- Não... - Sua resposta saiu de modo tão seco e sincero, que o riso transformou-se em suspiro e, por fim, em rubor.
O silêncio, novamente. Ela recomeçou.
- Então?
            A intensidade da dor é inversamente proporcional à velocidade daquilo que a provoca. Em outras palavras, uma resposta rápida para amenizar a ansiedade.
- Pelos seus olhos. São os mais lindos que eu já vi em toda a minha vida. Você se apaixonaria... Também.
Também. Aquela palavra foi uma sobra necessária.
Nenhum silêncio havia sido como aquele. Não tão forte. Não tão longo. E aquele foi tão poderoso que, só ele, seu próprio dono, conseguiu quebrar e recomeçar. Voltou um pouquinho e insistiu no seu medo preferido.
- É sério... Acho que se você pudesse ver, eu já teria perdido o meu lugar...
Uma pausa para um raciocínio quase lógico.
- Bom... Mas eu não vejo, não é?
- É... Você não vê.
Silêncio.
- Mas eu sinto muito bem.
Silêncio, silêncio. Uma risadinha nervosa para disfarçar o nervosismo. Uma piadinha para facilitar uma verdade difícil de dizer.
- Ainda bem, não é? A vida sabe, mesmo, o que faz...
            Ela o abraçou. O rosto escondido no peito.
- É... Ela sabe, mesmo, o que faz...
           
            A mesma lágrima que ele viu, ela sentiu.
E o que ele sentiu, ela, sem saber como, também viu.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Reles

Ele olhou para o relógio em seu pulso. Ainda faltavam dez minutos. Tinha tempo para um café.
Enquanto a água esquentava, a xícara, o pote e o açucareiro eram colocados sobre a mesa. Entre olhadelas no relógio, ele preparava.
Antes, um pouco de água morna na xícara fria, apenas para esquentá-la, para não esfriar o café. Em seguida, os torrões. Um pouco depois, a água, quase fervente.
Por fim, o açúcar.
E quando tirou a tampa do açucareiro, ele a viu. Pequena, minúscula e euforicamente perdida naquele deserto doce e branco. Uma simples formiga.
- Ora essa... – Um sorrisinho surgiu no canto de sua boca. – Venha... – E enterrou a colher, cuidadosamente, pegando uma pequena porção de açúcar onde estava a formiga. Mas a danada, amedrontada e alheia à boa vontade dele, pulou da colher e caiu dentro do açucareiro, outra vez.
- Ora, por favor... – Sua voz saiu entrecortada pelo riso. Olhou para o relógio, novamente. Cinco minutos.
- Venha, pequena... Não quero te machucar... – E enterrou a colher, novamente, retirando uma porção de açúcar e a formiga. Novamente, ela pulou.
- Ah, por favor... – Como se uma já não bastasse, mais três formigas surgiram. Deviam estar dormindo ou comendo, enterradas sobre aquela fartura toda.
- Mas que... – Quatro minutos.
Depois de mais duas tentativas, a formiga insistia em pular de volta para o açucareiro, recusando-se a sair. – Bicho estúpido, é só não se mexer... – Três minutos. Agora já não tinha mais graça. Expulsou duas delas, com grandes colheradas de açúcar jogadas no ralo da pia.
Dois minutos. É possível tomar um cafezinho em dois minutos, claro, mas porque se contentar com isso se, antes das formigas aparecerem, ele tinha mais tempo?
Ah, a raiva...
Depois de esmagar as outras duas, ele despejou todo o açúcar na pia e ligou a torneira. Um redemoinho se formou, levando embora as formigas e o café amargo que ele acabara de derramar.
Sua fúria só foi aplacada quando, num último impulso, despejou o resto de água quente no cano da pia. Por um instante, imaginou as pequenas criaturas cozinhando naquela água quase fervente. Regozijou-se. Estava vingado.
Ele não teria de volta o tempo tomado, mas isso não importava. Estava vingado. Sentia-se vingado, e isso o fez sentir-se bem.
Um minuto.
Lavou a xícara, colocou-a no secador, pegou sua bolsa e saiu depressa, correndo contra o tempo. Estava atrasado.

É tão fácil passar do amor ao ódio.
Para isso, bastam três coisas:
Um forte, um fraco e um interesse.