Boa tarde! Com licença! - O rapaz, apressado, colocou a maleta no chão e,
fazendo os malabarismos que conseguia, sentou-se no banco da praça, com um
cachorro quente em uma mão e uma lata de refrigerante na outra. Eram duas e
quinze da tarde, e ele estava almoçando.
Ao seu lado, acompanhando sua agitação, com olhos serenos e sorriso
agradável, havia um senhor. Setenta, setenta e cinco anos, talvez. Os cabelos,
totalmente grisalhos, eram finos e leves como os de uma criança. Seu rosto era
pequeno, de traços suaves, sem barba ou bigode. Sua aparência, a propósito, de
modo geral, era impecável. Vestia um terno de linho branco, com uma camisa
preta e sapatos também pretos, muito bem lustrados.
- Boa tarde... - Respondeu o senhor, calmamente, enquanto observava o
rapaz ajeitar-se no banco, equilibrando o almoço nas mãos. - Você é advogado?
O jovem parou de mastigar e mostrou um olhar confuso e intrigado ao
senhor. - Sou... - Ele riu. - Como o senhor sabe?
- Ah, eu não sei... Apenas deduzi... Bem vestido, apressado, boa
aparência... - O senhor sorriu. Apesar da idade avançada, seus dentes e seu
sorriso eram perfeitos.
- Pois é... A pressa... Acho que essa é nossa principal característica! -
O jovem voltou a comer. - Mas isso é bom! O stress positivo, como nós dizemos!
Acho que é assim que tem que ser!
- É... Acho que é assim, mesmo... - O olhar vago do senhor deixava claro
que ele não concordava, apesar de ter dito o contrário, mas o jovem não
percebeu. Seus olhos pulavam do relógio em seu pulso para o cachorro-quente, e
do cachorro-quente, voltavam ao relógio. Seu tempo era curto, mas por uma
questão de educação, arriscou perguntar.
- E o senhor, o que faz? - Talvez devesse ter perguntado o que ele fez,
afinal, a julgar pela idade, era aposentado, mas não soaria bem. Sentiu-se um
tanto estúpido com a própria pergunta, mas não prendeu-se a essa preocupação
por muito tempo. Aquela pergunta era apenas para manter a formalidade, mesmo. Não
havia interesse algum. Mera educação com os mais velhos, como mandam as regras.
- Eu? Ah, eu sou um covarde.
O jovem engasgou-se com um pedaço de pão. Tossiu e arrematou com um gole
de refrigerante. - Desculpe... Como?
- Um covarde. Alguém sem coragem...
- Sim. Eu sei o que é um covarde, mas... - Que raios de conversa era
aquela?
- Tem dez minutos do seu tempo para as histórias de um velho?
O rapaz voltou a olhar o relógio. Ele não dispunha dos dez minutos. -
Claro...
- Bem... Acho que minha história é como uma daquelas de filme, sabe? Ou
de novela, talvez... - Ele riu. - Tive alguém, não amei esse alguém, eu a
perdi, ela casou, eu fiquei.
Até então, o jovem não havia reparado em um detalhe muito curioso. No
dedo anelar da mão esquerda do senhor, havia um anel feminino. Fino, delicado,
com uma bela, mas discreta pérola como adorno. O senhor percebeu o olhar
confuso do rapaz. - Bonito, não?
- É... Muito bonito... Embora seja bem...
- Feminino?
- Delicado... - Sim, ele ia dizer que o anel era bem feminino, mesmo.
- Ah, sim... Ele é feminino, na verdade... É um anel de compromisso... -
Os olhos serenos do idoso focaram saudosamente a pérola. - Ela tinha vinte e
dois anos quando comprei esse anel... Vinte e dois anos! - Ele riu da própria
lembrança. - Eu esperei seis anos para entregar... E veja só... - Ele balançou
a cabeça de um lado para o outro, com um resto de sorriso nos lábios. - Guardei
o anel por uma semana inteira, esperando que o sábado chegasse logo para que eu
pudesse entregar... - Silêncio.
- E... Não entregou? - Ele estava, sim, um pouco curioso com a história,
mas ainda tinha mais pressa que interesse. Tentou, educadamente, apressar o
relato.
- Ela foi embora um dia antes... Sexta-feira...
- Embora?
- Sim... Foi embora... Terminou o que nós nunca tínhamos começado... Ou
melhor, ela terminou o que eu nunca comecei... - Ele deu uma risadinha. - Acho
que esperar seis anos por uma resposta destrói os sentimentos de qualquer um,
não?
O jovem não respondeu. Já havia terminado o lanche, e agora parecia estar
prestando atenção, mesmo, na história do senhor. O silêncio do rapaz foi a
deixa para que o outro prosseguisse.
- Tive dúvidas, voltei atrás, nunca disse que a amava... Ou melhor, até
disse, mas poucas vezes... E eu amava... E como amava... Na verdade, até hoje
eu me pergunto o porquê de não ter dito mais vezes... Ou todas as vezes, pra
ser mais exato...
- Mas então o senhor não tinha certeza se a amava? Não sabia se o que
sentia era amor?
- E alguém tem?
O rapaz ficou em silêncio.
- Sabe? O amor não é feito de certezas... Quem te ensinou o que é o amor?
Onde você aprendeu? Onde estão escritos os sintomas e as características dele?
- O senhor sorriu, mas seus olhos estavam tristes. - Não saber se você ama
alguém não é um crime, não é um pecado... Como é que você pode ter certeza de
algo que você não conhece, que não sabe como é, que não sabe do que é feito?
- Sim, mas, se pensarmos por esse lado, ninguém amaria...
- Exatamente.
O jovem finalmente compreendeu. Ele não estava se desculpando, se
eximindo. Ele estava apenas amargando o próprio conhecimento tardio.
- Eu descobri, meu amigo... Que ninguém conhece e nem precisa conhecer o
tal amor... Tudo o que você precisa é acreditar que conhece e acreditar que
ama... É tudo uma questão de acreditar e ter coragem... A verdade é que todo
mundo passa pela vida tendo a sua, e apenas sua, certeza sobre o que é o
amor...
- Entendo... Mas se você não a amava ou, pelo menos, não tinha certeza,
não teria sido melhor, mesmo, não dizer? Acho que dizer "eu te amo",
sem sentir, é mais perigoso que não dizer...
O senhor observou o rapaz por um certo tempo, então apontou para um
pequeno arbusto à frente do banco. - Está vendo aquela arvorezinha, ali?
- Sim...
- Pois bem... Você que sabe que frutos são aqueles?
O rapaz olhou mais atentamente para o arbusto. Em meio às folhas, haviam
pequenas frutinhas vermelhas.
- Não...
- E se você estivesse em uma situação onde a única coisa disponível para
comer fossem aqueles frutos... Apenas aqueles frutos... Ou você come, ou morre
de fome... O que você faria?
Bom, eu comeria...
- Por quê?
- Porque, como o senhor disse, ou eu como, ou morro de fome. E sim, já
considerei a hipótese deles serem venenosos e eu morrer do mesmo jeito,
então... - O jovem parou de falar subitamente. Dentro de sua cabeça, sentiu
como se um gatilho fosse apertado. Uma porta, mostrando coisas novas, havia
sido aberta. O senhor, vendo a expressão no rosto do outro, apenas riu.
- Exatamente, meu amigo... Exatamente... Como você vê, arriscar faz parte
da natureza humana... E aí eu te pergunto... Ou melhor, eu me pergunto... Por
que não arriscamos no amor? Por que temos medo de dizer qur amamos, mesmo não
amando? É errado? Pode ser, dependendo de quem veja... Pode soar como
falsidade, se você quiser... Mas aí é que entra a questão crucial de tudo... E
se a fruta não for venenosa? E indo um pouquinho mais longe, podemos considerar
o seguinte fato: Comendo ou não comendo a fruta, um dia você irá morrer, não
irá? Veneno... Fome... Causas naturais... E aí?
O silêncio do jovem deixava claro que, agora, ele compreendia
completamente a ideia daquele senhor. Esse mesmo siêncio se estendeu por um
certo tempo, até ser quebrado pelo jovem.
- Mas e ela? A moça? Era sua namorada?
- Não, não... Nunca foi... Sempre quis ser, mas nunca foi... Eu nunca
deixei... - O rosto do idoso, até então, sorridente, tomou uma forma triste. -
Eu nunca deixei... Ah, e ela fez tanto, mas tanto por mim... - O senhor fechou
os olhos, lembrando de cada momento vivido. Pela mente daquele homem idoso,
passaram as mais variadas imagens de sua juventude, desde noites à beira de uma
lareira, até caminhadas no inverno, de mãos dadas. - Eu nunca a deixei ser
minha namorada... Sempre fugi... Sempre tive medo... Eu pensava, ou preferia
pensar, que ser livre era não ser de ninguém e não ter ninguém... Fingi ser
forte, insensível... E o pior, acreditei na minha própria mentira... Mas, no
fim, acabei percebendo que liberdade está longe, muito longe de ser isso...
Enfim... Chega de tomar seu tempo, rapaz... Nossos dez minutos já se passaram.
- O senhor voltou a sorrir. Como sempre fazia, guardou toda a tristeza e
colocou um sorriso nos lábios. - Bom... Resumindo a história, meu amigo... Ela
cansou de me esperar... Decidiu ir embora... Começou a namorar uma pessoa... Ao
contrário do que teve comigo, o namoro deles começou rápido, progrediu e logo
virou casamento... Depois de algum tempo, fiquei sabendo que foram para outro
país... Tiveram filhos... Enfim... Tiveram uma vida...
Um novo silêncio recaiu sobre os dois. Esse, bem mais longo que os
anteriores.
- E por que o senhor ainda guarda o anel? Lembrança?
- Não, não... É porque ainda pretendo devolvê-lo...
- Quando?
- Não sei... Ainda estou esperando a oportunidade certa...
- Esperando? Mas por que o senhor ainda espera? Não foi o senhor mesmo
quem disse que, durante toda a sua vida, a coisa que mais fez foi esperar? E
agora? Vai continuar esperando? O tempo passou, vocês já não são mais jovens, o
amor dela já não lhe pertence mais, mas o senhor tem uma promessa, uma dívida
consigo mesmo... Não espere mais!
O senhor baixou a cabeça, fechou os olhos e sorriu. - Ah, mas é que
agora, ao contrário das outras vezes, esperar é minha única opção...
- Eu juro que não entendo...
- Ela morreu há vinte anos... - Aquela declaração foi seguida por um
silêncio estrondoso. - Eu estou apenas esperando a hora do reencontro...
O jovem, por um instante, sentiu-se desfalecer. Seu estômago revirou-se.
Sua cabeça girou. Uma sucessão de lembranças e planos veio-lhe à mente. O
pensamento duro e racional de que a vida termina, de fato, quando morremos, o
fez amargar um peso gigantesco dentro do peito. Será, mesmo, que aquele senhor
acreditava em um reencontro após a morte? Ou estaria ele ciente da verdade
materialista, tão fria e lógica, procurando uma maneira de expiar-se pelos seus
erros?
- Bem... - Disse o senhor, levantando-se, auxiliado pela bengala. - Vou
indo... Parece que hoje ainda não é o dia do meu trem passar... - Ele sorriu e
piscou para o jovem. Este, sem conseguir dizer nada, apenas olhou o senhor
misturar-se à multidão de pessoas e pombos que ocupavam a praça. O chão de
concreto e o céu nublado, ambos tão cinzas, pareciam emoldurar perfeitamente a
pintura que fora a vida daquele velho. Instantes depois, ele já havia sumido.
Agora, e novamente, era apenas mais um em meio a todos. Então, o jovem
finalmente percebeu que cada uma daquelas pessoas poderia ter uma história
igual ou parecida, talvez com o mesmo final, ou não. Tudo dependeria de suas
escolhas e de sua coragem. Coragem para assumir que ama; Coragem para ter
alguém; Coragem para se permitir ser de alguém. Coragem. Aquela era a palavra-chave. Os sentimentos possuem uma ordem, uma hierarquia. Não se ama sem
respeitar; Não se respeita sem compreender; Não se compreende sem relevar; E
não se releva sem ter coragem.
Sem coragem, ninguém permite ou aceita.
Sem coragem, ninguém começa, nem termina.
Ele ainda ficou ali por mais alguns instantes, pensando, remoendo aquelas
verdades que não paravam de se jogar contra suas convicções.
Ele, seu terno, sua maleta e seus vinte e seis anos, ficaram sentados por
um bom tempo, trocando ideias acerca da vida, experiências, vivências e
histórias. Permitiu-se demorar um pouco mais, afinal, ao contrário daquele
senhor, ele não tinha ninguém para encontrar. Ninguém o esperava. Ele tinha
tudo que precisava ter. Era jovem, bem sucedido, independente e, o mais
importante, livre. Livre de todos. Livre de qualquer amarra que a vida pudesse
impor.
E ele tentaria acreditar nisso pelo resto de sua vida.