sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Ferrugem


     - Você sabe que não há nada depois, não sabe? - Perguntou ela, com um sorriso cansado, deitada serenamente na cama.

    - Sim, eu sei... - E enquanto segurava sua mão, ele queria fazê-la acreditar que, apesar da sua certeza, havia, sim, algo depois da vida. Na verdade, ele queria burlar a certeza de ambos, pois assim como ela, ele também não tinha dúvidas quanto ao nada que viria depois da morte.

     - Você se lembra de como nós nos conhecemos?

     - Ora... É claro que eu lembro... Como eu poderia esquecer? - Ele riu e sua voz tremeu.

     - Ué... Está fraquejando, meu velho?

     Ele enxugou as lágrimas que começavam a se formar no canto de um dos olhos. - Não, não... É que... Eu só queria que fosse realmente eterno... - Ele sorriu e a fitou com uma ternura sem igual.

    "Os ignorantes é que são felizes..." - Ele disse, fingindo aquele tom esnobe que ela tão bem conhecia. Ela riu silenciosamente através de um sorrisinho torto e confidente.

    O futuro de ambos, que começou de maneira tão improvável, terminou de uma maneira mais improvável ainda. Ele, um pobre coitado, como muitos diziam, trabalhando dia após dia para garantir a própria sobrevivência, acabou criando coragem para abandonar tudo - ainda que fosse quase nada - e viajar para outro país, na esperança de recomeçar do zero, ao lado de quem se mostrou ser o seu grande, único, verdadeiro e, o mais importante, último amor da sua vida.

    E depois de uma vida longa, plena e surpreendente em todos os aspectos, agora estavam ali, ambos inteligentes e esclarecidos, sem dúvidas quanto ao fim da vida. Sem dúvidas sobre o que o fim da vida realmente representava. E ainda que muitas vezes tivessem brincado e dito romanticamente que suas almas se encontrariam no além, após a partida terrena, ambos sabiam que a vida e a existência eram aquilo que se mostrava enquanto estavam apenas - e apenas - vivos. Não havia depois. Não havia alma. Não havia amor eterno. O amor, aliás, como disseram nas Bodas de Diamante, em um belo e controverso discurso, era como um anel de ferro, cuja existência estava subordinada aos caprichos da natureza, e que essa, assim que bem lhe apetecesse, poderia tirar a vida de qualquer um dos dois, tal como a ferrugem, aos poucos, corrói o metal que parece ser indestrutível.

     Os ignorantes é que são felizes.

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