quarta-feira, 20 de julho de 2011

Amigos


Amigos há algum tempo.
Não o bastante para apenas e nem tão pouco para mais.
- É engraçado como a vida acerta com erros, às vezes.
            Quando a filosofia não explica, ela preenche, atiça ou dissimula.
- Como assim?
- Você, por exemplo... Não pode enxergar...
Ela baixou a cabeça, tentando esconder o rosto com algumas mechas do cabelo.
- E onde está a graça, nisso?
- Bom... Eu sou um cara legal, mas não sou tão bonito, assim...
Ela tentou ficar séria, mas suas palavras saíram misturadas ao som gostoso de um riso abafado.
- É mesmo?
            Ele era legal, mesmo. E, realmente, não era tão bonito, assim.
- É... E você é chatinha, mas é linda... E eu enxergo... Enfim, não é perfeito?
Ela não era chata. Mas era linda, com certeza.
- Você é um idiota... – Ela balançou a cabeça de um lado para o outro, fingindo aborrecimento.
- Idiota? Ok, então.
- Sim, idiota. A amizade considera beleza?
A amizade. Aquilo, de certa forma, doeu. E o silêncio veio e resistiu por alguns instantes. Para ele, durou bem mais do que isso. Na verdade, ele pensou que seria o fim, mas ela recomeçou. Ainda bem.
- Se fosse possível... Um dia... Você trocaria seus olhos pelos meus?
Ele riu.
- Não sei. Mas uma coisa eu posso te afirmar, com toda a certeza.
- O quê?
- A sua pergunta é mais idiota que eu.
- Ah... Idiota!
Ele riu novamente.
- É sério... Você trocaria?
- Claro que não!
- Nossa... Mas nem por alguns instantes?
- Ah, bom... Nesse caso, sim... - Ele fez uma breve pausa e logo acrescentou.
- Não... Pensando melhor, não. Aliás... Com certeza, não.
- Deus... Isso tudo é medo?
- Claro! - Ele exagerou na força da resposta, propositalmente.
- Medo de que? De que eu não devolva os seus olhos?
- É... também... Mas acho que mais é medo de que você se apaixone!
Ela riu alto.
- Por você? Duvido muito... Você mesmo disse que não é bonito.
- Não. Eu disse que não sou tão bonito, assim. – Ele deu ênfase ao trecho repetido.
- Que seja, que seja... Eu não me apaixonaria.
- Bom, eu me apaixonaria. – Voz esnobe.
- Por você mesmo? Doente! - Ela riu alto, outra vez.
- Não... - Sua resposta saiu de modo tão seco e sincero, que o riso transformou-se em suspiro e, por fim, em rubor.
O silêncio, novamente. Ela recomeçou.
- Então?
            A intensidade da dor é inversamente proporcional à velocidade daquilo que a provoca. Em outras palavras, uma resposta rápida para amenizar a ansiedade.
- Pelos seus olhos. São os mais lindos que eu já vi em toda a minha vida. Você se apaixonaria... Também.
Também. Aquela palavra foi uma sobra necessária.
Nenhum silêncio havia sido como aquele. Não tão forte. Não tão longo. E aquele foi tão poderoso que, só ele, seu próprio dono, conseguiu quebrar e recomeçar. Voltou um pouquinho e insistiu no seu medo preferido.
- É sério... Acho que se você pudesse ver, eu já teria perdido o meu lugar...
Uma pausa para um raciocínio quase lógico.
- Bom... Mas eu não vejo, não é?
- É... Você não vê.
Silêncio.
- Mas eu sinto muito bem.
Silêncio, silêncio. Uma risadinha nervosa para disfarçar o nervosismo. Uma piadinha para facilitar uma verdade difícil de dizer.
- Ainda bem, não é? A vida sabe, mesmo, o que faz...
            Ela o abraçou. O rosto escondido no peito.
- É... Ela sabe, mesmo, o que faz...
           
            A mesma lágrima que ele viu, ela sentiu.
E o que ele sentiu, ela, sem saber como, também viu.

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