terça-feira, 19 de julho de 2011

Reles

Ele olhou para o relógio em seu pulso. Ainda faltavam dez minutos. Tinha tempo para um café.
Enquanto a água esquentava, a xícara, o pote e o açucareiro eram colocados sobre a mesa. Entre olhadelas no relógio, ele preparava.
Antes, um pouco de água morna na xícara fria, apenas para esquentá-la, para não esfriar o café. Em seguida, os torrões. Um pouco depois, a água, quase fervente.
Por fim, o açúcar.
E quando tirou a tampa do açucareiro, ele a viu. Pequena, minúscula e euforicamente perdida naquele deserto doce e branco. Uma simples formiga.
- Ora essa... – Um sorrisinho surgiu no canto de sua boca. – Venha... – E enterrou a colher, cuidadosamente, pegando uma pequena porção de açúcar onde estava a formiga. Mas a danada, amedrontada e alheia à boa vontade dele, pulou da colher e caiu dentro do açucareiro, outra vez.
- Ora, por favor... – Sua voz saiu entrecortada pelo riso. Olhou para o relógio, novamente. Cinco minutos.
- Venha, pequena... Não quero te machucar... – E enterrou a colher, novamente, retirando uma porção de açúcar e a formiga. Novamente, ela pulou.
- Ah, por favor... – Como se uma já não bastasse, mais três formigas surgiram. Deviam estar dormindo ou comendo, enterradas sobre aquela fartura toda.
- Mas que... – Quatro minutos.
Depois de mais duas tentativas, a formiga insistia em pular de volta para o açucareiro, recusando-se a sair. – Bicho estúpido, é só não se mexer... – Três minutos. Agora já não tinha mais graça. Expulsou duas delas, com grandes colheradas de açúcar jogadas no ralo da pia.
Dois minutos. É possível tomar um cafezinho em dois minutos, claro, mas porque se contentar com isso se, antes das formigas aparecerem, ele tinha mais tempo?
Ah, a raiva...
Depois de esmagar as outras duas, ele despejou todo o açúcar na pia e ligou a torneira. Um redemoinho se formou, levando embora as formigas e o café amargo que ele acabara de derramar.
Sua fúria só foi aplacada quando, num último impulso, despejou o resto de água quente no cano da pia. Por um instante, imaginou as pequenas criaturas cozinhando naquela água quase fervente. Regozijou-se. Estava vingado.
Ele não teria de volta o tempo tomado, mas isso não importava. Estava vingado. Sentia-se vingado, e isso o fez sentir-se bem.
Um minuto.
Lavou a xícara, colocou-a no secador, pegou sua bolsa e saiu depressa, correndo contra o tempo. Estava atrasado.

É tão fácil passar do amor ao ódio.
Para isso, bastam três coisas:
Um forte, um fraco e um interesse.

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