terça-feira, 11 de junho de 2013

Limbo



Certa vez ele me disse que, quando criança, queria poder ser invisível e intangível. Queria poder atravessar muros e paredes. Entrar nas casas, à noite, e observar as pessoas dormindo. Confesso que sua inocência e pureza me comoveram, pois, ao contrário do que se poderia pensar, ele não queria usar seu poder para furtar objetos ou, na pior das hipóteses, aproveitar-se de alguém.

Na sua cabeça de menino, pessoas fortes não deveriam dormir. Não é que não pudessem dormir, mas a fragilidade que o sono concede às pessoas, certamente não combina com alguém que, enquanto está acordado, é forte, bravo ou mal humorado. Ele não conseguia, por exemplo, imaginar um bandido ou um policial dormindo tranquila e serenamente, como um bebê, com as mãos sob o travesseiro e com um sorriso bobo no rosto, fruto de algum sonho engraçado. Os garotos mais velhos da escola, por exemplo, tão maiores e mais fortes que ele, também não pareciam ser pessoas que dormiam. Eles namoravam, matavam aula, compravam – e ganhavam – brigas com os garotos menores. Definitivamente, eles não pareciam ser do tipo de pessoa que, durante a noite, guarda a truculência em algum lugar e fecha os olhos para dormir, como faziam, justamente, os garotos mais fracos, vítimas de suas chacotas e agressões.

De suas palavras, lembro dele ter dito exatamente o seguinte:

“Talvez eu quisesse ser um fantasma, ou algo do tipo. Só sei que queria ser algo que pudesse ver os outros sem ser visto, entende? Pensei em ser anjo da guarda, mas não era bem isso que eu queria. Eu queria algo mais imparcial, neutro... Como um fantasma, mesmo! Hoje, adulto, vejo mais sentido nesse meu desejo tão surreal. Eu gosto de observar as pessoas, anotar seus trejeitos e manias, calcular probabilidades e prever comportamentos. E sobre a parte do fantasma, bem... Entendi perfeitamente quando veio a depressão. Talvez você não saiba, mas para aqueles que foram tocados pela mão dessa tristeza incurável, a morte deixa de causar medo e passa a ser uma hipótese confortadora, serena, quase gostosa, por assim dizer. A morte, para essas pessoas, na qual me incluo, parece tão agradável quanto um abraço carinhoso.”

Com o tempo, perdemos contato e nos afastamos. Apesar de nosso vínculo de amizade ter se tornado extremamente forte, nunca mais nos encontramos, embora, também, não tenha ficado mágoa alguma com relação a esse afastamento. Fomos naturalmente embora um do outro, tal como uma estação finda, ou uma canção acaba. Nosso fim se deu como todos os fins deveriam se dar. Infelizmente, não restou contato algum. Sem endereços, comentários ou suposições de onde ele poderia estar. Simplesmente, desapareceu.

E eu nunca mais o vi.

Mas o fato é que, por vezes, quando acordo no meio da noite, sinto como se alguém, em silêncio, me observasse. Noutras, sinto meu colchão afundar levemente em um dos cantos, como se alguém, cuidadosamente, a fim de não me acordar, ali sentasse. Confesso que nunca me dispus a olhar, mas não por medo. Muito pelo contrário, aliás, já que sempre que me vejo nessa situação, um estranho conforto me envolve.

Eu não sei se ele realmente virou um fantasma ou se a saudade, por vezes, se materializa na forma de ilusão, mas seja lá o que for, me faz lembrar dele. Mais do que isso, me faz lembrar que ele se foi, ainda que eu não saiba nem como e nem para onde.

Nenhum comentário:

Postar um comentário