Certa vez ele
me disse que, quando criança, queria poder ser invisível e intangível. Queria
poder atravessar muros e paredes. Entrar nas casas, à noite, e observar as
pessoas dormindo. Confesso que sua inocência e pureza me comoveram, pois, ao
contrário do que se poderia pensar, ele não queria usar seu poder para furtar
objetos ou, na pior das hipóteses, aproveitar-se de alguém.
Na sua cabeça
de menino, pessoas fortes não deveriam dormir. Não é que não pudessem dormir,
mas a fragilidade que o sono concede às pessoas, certamente não combina com
alguém que, enquanto está acordado, é forte, bravo ou mal humorado. Ele não
conseguia, por exemplo, imaginar um bandido ou um policial dormindo tranquila e
serenamente, como um bebê, com as mãos sob o travesseiro e com um sorriso bobo
no rosto, fruto de algum sonho engraçado. Os garotos mais velhos da escola, por
exemplo, tão maiores e mais fortes que ele, também não pareciam ser pessoas que
dormiam. Eles namoravam, matavam aula, compravam – e ganhavam – brigas com os
garotos menores. Definitivamente, eles não pareciam ser do tipo de pessoa que,
durante a noite, guarda a truculência em algum lugar e fecha os olhos para
dormir, como faziam, justamente, os garotos mais fracos, vítimas de suas
chacotas e agressões.
De suas
palavras, lembro dele ter dito exatamente o seguinte:
“Talvez eu
quisesse ser um fantasma, ou algo do tipo. Só sei que queria ser algo que
pudesse ver os outros sem ser visto, entende? Pensei em ser anjo da guarda, mas
não era bem isso que eu queria. Eu queria algo mais imparcial, neutro... Como
um fantasma, mesmo! Hoje, adulto, vejo mais sentido nesse meu desejo tão
surreal. Eu gosto de observar as pessoas, anotar seus trejeitos e manias,
calcular probabilidades e prever comportamentos. E sobre a parte do fantasma,
bem... Entendi perfeitamente quando veio a depressão. Talvez você não saiba,
mas para aqueles que foram tocados pela mão dessa tristeza incurável, a morte
deixa de causar medo e passa a ser uma hipótese confortadora, serena, quase
gostosa, por assim dizer. A morte, para essas pessoas, na qual me incluo,
parece tão agradável quanto um abraço carinhoso.”
Com o tempo,
perdemos contato e nos afastamos. Apesar de nosso vínculo de amizade ter se
tornado extremamente forte, nunca mais nos encontramos, embora, também, não
tenha ficado mágoa alguma com relação a esse afastamento. Fomos naturalmente
embora um do outro, tal como uma estação finda, ou uma canção acaba. Nosso fim
se deu como todos os fins deveriam se dar. Infelizmente, não restou contato algum.
Sem endereços, comentários ou suposições de onde ele poderia estar.
Simplesmente, desapareceu.
E eu nunca
mais o vi.
Mas o fato é
que, por vezes, quando acordo no meio da noite, sinto como se alguém, em
silêncio, me observasse. Noutras, sinto meu colchão afundar levemente em um dos
cantos, como se alguém, cuidadosamente, a fim de não me acordar, ali sentasse.
Confesso que nunca me dispus a olhar, mas não por medo. Muito pelo contrário,
aliás, já que sempre que me vejo nessa situação, um estranho conforto me
envolve.
Eu não sei se
ele realmente virou um fantasma ou se a saudade, por vezes, se materializa na
forma de ilusão, mas seja lá o que for, me faz lembrar dele. Mais do que isso,
me faz lembrar que ele se foi, ainda que eu não saiba nem como e nem para onde.
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