segunda-feira, 9 de junho de 2014

Contra as Nuvens



Ele entrou em casa e foi direto para o quarto. Não estava carrancudo, apenas apático, como sempre. Com as costas curvadas pelo peso da mochila e de mais um dia de trabalho, passou pelos pais, sentados no sofá da sala, e os cumprimentou com um movimento de cabeça e um sorriso pela metade, no qual apenas os lábios se contorciam um pouco, sem que os olhos acompanhassem a expressão pretendida. Apesar disso, pelo tanto que havia treinado, usado e repetido aquele sorriso, ele era eficaz. No fundo, sabia que havia uma espécie de combinado, um jogo silencioso entre ele e seus pais, de modo que, mesmo que seu sorriso não fosse convincente – embora ele acreditasse ser – eles o tomariam como verdadeiro, e que se mesmo assim eles ainda soubessem que as coisas não estavam bem, ao menos não saberiam o quão ruim estavam. Intacto ou danificado, o sorriso ainda era um escudo.

- Eu ando preocupada com o nosso filho... – Disse a mãe. O pai não disse nada, esperando que ela fosse continuar.

“E eu sei, eu sinto que ele também anda preocupado, cansado... Mas principalmente preocupado.”

- É, eu também estaria preocupado na situação dele... 25 anos e nada... – Rebateu o pai, mastigando alguns sentimentos misturados.

- Alberto! – Repreendeu severamente a esposa, num sussurro afetado.

- Ok, amor... Desculpe, desculpe... – O pai levou as mãos ao rosto, tentando mudar o humor. Ainda estava terminando de engolir o resto do desgosto para poder compartilhar da compaixão da esposa.

“Eu também estou preocupado, admito...”

Ela retomou a conversa. – Eu já decidi... Mesmo que ele não goste, se eu perceber que as coisas não estão melhorando por conta, vou marcar uma consulta com uma psicóloga, com um psiquiatra ou seja lá com o que for... - O pai soltou um suspiro pesado.

“Sim, Alberto, eu sei o que você pensa a respeito disso... Sei que você também enfrentou dificuldades e que nunca precisou de ajuda... Que nunca consultou com um desses médicos de gente louca e que...” – Ela parou de falar e seus olhos se encheram d’água. Ele a abraçou.

- Meu amor, eu disse isso uma única vez e me arrependo até hoje... Se o nosso filho precisar de ajuda, seja do tipo que for, eu vou, aliás, nós vamos buscar, tudo bem?

Assim que a conversa silenciou, eles puderam ouvir a música.

- Vamos conversar com ele? – A mãe sorriu um pouco, com os olhos ainda úmidos.

- Não, não... Deixe ele quietinho no canto dele... Mais tarde, ou melhor, amanhã nós conversamos... Amanhã nós começamos. – Ele deu ênfase à última palavra, sorrindo, denotando a mudança que estava por acontecer. Com os olhos também marejados, abraçou a esposa, confortando-a e garantindo que tudo ficaria bem. Enfim, ele acreditava nas próprias palavras.



Abafada pela porta do quarto, aquela mesma música que ele sempre colocava para tocar depois de chegar em casa, em volume alto e que se repetia por algumas horas antes dele dormir. Era uma música grande, com onze ou doze minutos, talvez.

Viajamos sete léguas
Por entre abismos e florestas
Por Deus nunca me vi tão só
É a própria fé o que destrói
Estes são dias desleais

                De maneira proposital ou inconsciente, ele acabava ignorando algumas partes da letra e dando ênfase àquelas que, de certa forma, tinham mais a dizer a ele.

                Tudo passa, tudo passará

                A música tocava pela nona vez seguida, mas ele já estava morto antes do final da terceira.

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