terça-feira, 23 de setembro de 2014

Setor 23


[[ TRECHO TESTE - ROMANCE]]
            

       Despertou de um sono estranho, pois não lembrava de estar dormindo. Na confusão de sua mente, a realidade veio como uma continuação ininterrupta de um possível sonho, ainda que não conseguisse distinguir e delimitar onde estava o fim de um e o começo do outro.
          Embora tivesse consciência de estar desperto, algo não estava de acordo com sua familiaridade de lucidez. Percebeu-se flutuando. Seu corpo parecia não existir, pois não conseguia sentir nada além de um leve desconforto nos olhos, os quais não conseguia mover ou piscar. Estranhamente, percebeu que, na verdade, não precisava piscar. Tentou mover a cabeça para os lados, mas não conseguiu. Sentia-se, ao mesmo tempo, completamente imóvel e igualmente livre. A sensação, em grande parte pelo torpor de seus sentidos, era indefinível.
         Uma luz forte e dura o envolvia, distorcendo imagens confusas, refratadas pelo aspecto turvo de uma espécie de líquido onde parecia estar mergulhado. Turvo... Sim! Enfim compreendeu que estava, de fato, imerso em um líquido! Naturalmente, a sensação de asfixia e o medo de um possível afogamento tomaram conta de seus pensamentos, não fosse pelo estranhíssimo fato de que, incompreensivelmente, não precisava respirar.
         Definitivamente, ele não sabia o que estava acontecendo. A ausência total de dor, ainda que de certa forma o tranquilizasse, preocupava-o com a mesma intensidade.

        Não era possível saber o momento exato em que ele viria a compreender o que havia acontecido. Assim como todos os outros que estavam ali, dos quais ainda não tinha conhecimento, ele também teria o seu momento. Aos poucos, assimilaria tudo o que, até então, havia passado despercebido por seus sentidos entorpecidos. Os olhos, ainda sensíveis e desajustados, acabariam por reconhecer a figura que estava alguns metros a sua frente. O tempo, então, passaria a ser eterno a partir do momento em que ele percebesse que era, e para sempre seria, apenas um cérebro vivo, preso a tubos e fios, flutuando em um aquário grotesco de pedaços humanos.

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